sexta-feira, 22 de agosto de 2025

CONSTRUÇÃO PARTICULAR

Noite quente, sei lá que horas, ventilador pequeno tentando refrescar o quarto que cheirava corpos ardentes que acabaram de se entregar ao orgasmo. 

Ele se esticou para apanhar o isqueiro e o maço de cigarros, mas continuou na cama e manteve o outro braço a ela abraçado. 

Ela, franzina, pele pálida, relaxava com a cabeça no peitoral suado, vermelho e gordo dele, cujo coração se ouvia bater em seus ouvidos. Uma das pequenas e delicadas mãos repousava na barriga peluda e saliente dele, como se ela fosse um imenso travesseiro.

Após contar sua condição soropositiva e também a condição de ansiedade e depressão, ela deixou claro que entenderia se eles não se vissem mais. Aquela era a terceira foda em um quinto encontro. Queria tê-lo para sempre, mas sabia que seria muito egoísmo. 

- A gente vai dando um jeito - ele falou, acendendo o cigarro à boca.

- E se a minha doença piorar?

- A gente vai dando um jeito - ele repetiu, regozijando-se no alcatrão e na nicotina do fumo.

- E se a sua vida se complicar?

- Ah, ela certamente irá. 

- Então! Como é que vai ser isso?

- A gente vai dando um jeito.

Eles se olharam, ele riu e tirou o cigarro da boca:

- Mulher, não existe vida perfeita em um relacionamento sério. Existe uma construção a dois. Você, com seus problemas, e eu com os meus. E enquanto a gente puder, a gente dá um foda-se para eles, fazendo o que que gente fez agora: fodendo. 

Ele voltou a fumar, contente em sentir a mão carinhosa dela lhe acariciando em silêncio. O que tinha acabado de dizer, não era sobre foda. Era sobre viver uma história junto, aconteça o que acontecer. Saber o que quer - e estar disposto a peitar o que vier - é o diferencial para o relacionamento sério.

quarta-feira, 20 de agosto de 2025

O RETRATO DA REALIDADE

Ribeirão Preto, em suas primeiras horas matinais, já apresentava a luz do Sol intenso invadindo a cozinha de Leo, que se deleitava em seu módico café da manhã, rodeado pela realidade do momento. Aquela cidade era predominantemente quente e seca, bem diferente de onde morava. Ali não tinha praia, sequer um riozinho decente para recreação. O foco era o comércio. O atrativo turístico girava em torno do agronegócio, mas ele estava feliz. O sentimento de paz tomava conta. A dor não tinha desaparecido, estava sob controle por meio de uma aceitação tranquila.

Assim que terminou de comer o pãozinho com manteiga em meio à ultima golada do café com leite, ele pegou o celular e se levantou para uma selfie rápida. Aquelas singelas paredes, o notório calendário desatualizado e a geladeira formaram o cenário perfeito de um homem em reconstrução. Ali estava o retrato da retomada da vida como ela é. 

Olhando para a câmera, Léo sorriu ao conferir os cabelos incrivelmente curtos e diferentes do modo praiano. O homem na praia se encontrava bem distante agora. Tinha sido ele, mas, ao mesmo tempo, não era mais. Ergueu o polegar em um gesto de autoafirmação, o indicativo de que estava em paz. 

A vida em Ribeirão Preto, com sua rotina e seu calor, servia como um lembrete constante de que a felicidade não se encontra em lugares poéticos ou em relacionamentos perfeitos, mas na resiliência e na capacidade de se levantar após a queda. Ele havia aprendido a valorizar os pequenos momentos: o cheiro do café pela manhã, a geladeira branca e ruidosa, o calendário representando os dias que passavam, a vida que seguia e as oportunidades que apareciam. O polegar para cima, como fizera na foto, era um gesto simples que se tornara frequente, carregando o peso de toda a sua jornada. Era um "estou bem", um "estou aqui", um "consegui" e, talvez, o mais importante, era um "eu me amo". O seu sorriso, embora discreto, ia além da foto: era de alma!

Sob essa nova perspectiva, Leo foi ressignificando sua existência. Não queria saber de nenhuma outra história de amor, a não ser focar no amor por si mesmo. Colocando-se em primeiro lugar, redescobriu velhos hobbies, fez amizades e até se matriculou em um curso de fotografia. 

Capturar momentos se tornou sua nova paixão, uma forma de eternizar a beleza efêmera da vida, aquela que ele quase deixara de notar. As fotos refletiam seu estado de espírito: cores vibrantes, cenas do cotidiano, detalhes que antes passavam despercebidos. 

Ribeirão Preto, com sua luz intensa e seus cantos interessantes, se tornou um cenário rico e inspirador. Não havia prazer maior que trabalhar aquelas imagens, analisar, absorver a leitura de cada uma. Aquele relacionamento ruim foi engavetado no armário dos acontecimentos passados, vez que era lá, e tão somente lá, o seu lugar mais adequado, representando um triste, porém, importante capítulo, e não a história toda, vez que agora vislumbrava uma vontade infinita de viver. 

Talvez, em algum lugar, em algum momento futuro, possa existir um novo tipo de conexão, construída sobre uma base mais sólida de autoconhecimento e aceitação. Mas, por agora, ele estava bem. Completamente bem, em sua própria pele, em sua própria cidade, com suas próprias histórias para contar e fotografar.

domingo, 17 de agosto de 2025

A DIABA, A GATA E A MENSAGEM

Eveline Passos Rodrigues teria entrado para o mundo do crime após ser vítima de uma tentativa de feminicídio, assim diz o começo de uma matéria publicada por Caio Possati, às 19h27 e atualizada às 20h41 do dia 16 e Agosto de 2025, no portal de notícias do Estadão - clique aqui para ler 

Não vou desmerecer o escritor com suas informações, pois ele está cumprindo seu serviço jornalístico. Apenas quero refletir sobre essa motivação alegada, que diz que Eveline se tornou a Diaba Loira do crime após sofrer uma tentativa de feminicídio. Então, o que teria sido isso? Namorado irado? O dono da padaria a quem ela devia mortadela? Algum príncipe agiota revoltado? Não vi nada devidamente explicado logo após essa declaração, pois o que esses veículos querem é menos detalhamento do que julgam desnecessário e mais repetição daquilo que já vem sendo propagado por aí. Meu companheiro, quando era escrivão, já dizia que essa turma era apelidada carinhosamente de papagaios de plantão, pois cumpriam o dever de repetir, repetir e repetir. O teor que seguiu foi de que a mulher nasceu em Tubarão, Santa Catarina e morreu no Rio de Janeiro, que trocou uma facção por outra e blá-blá-blá. Se houve uma explicação maior a respeito dessa tentativa de feminicídio que lhe abriu as portas do crime, deve ter ficado em alguma parte além das irritantes publicidades que apareceram, me fazendo pensar que a matéria havia terminado. Quem sabe? 

Eu só sei que é muito comovente e parecida a origem da Mulher-gato no filme oitentista de Batman, dirigido por Tim Burton, onde a Celina (ou Selina), interpretada por Michelle Pfeiffer, é tão dócil e inofensiva que chega a ser patética, mas os patéticos sabem muito bem ser curiosos e descobrir o que não devem. Ela sofre essa tentativa de feminicídio ao ser empurrada de um arranha-céu e ser lambida por alguns gatos vira-latas da ocasião. Ela retoma a consciência e se dá conta do que aconteceu, de que o sistema lhe ferrou quando acreditava em flores e carinho para a regeneração de bandidos, que valeria a pena ser honesto, decente, cheio de valores e bons princípios. Percebendo que quase foi para o além e que esse sistema está cagando e andando para ela, surge então a mulher que é o oposto de tudo que Celina (Selina) sempre foi. Mas, na verdade, o que constatamos ao longo do filme é que esse lado sempre fez parte dela. 

Assim digo que a encantadora e inocente Eveline, que talvez tenha crescido acreditando no discurso da loira hipócrita que fala "querer, poder e conseguir" em seu programinha matinal, que talvez soubesse de cor e salteado a letra de Lua de Cristal, ela sempre teve essa "veia", digamos assim, em si. É do ser humano precisar de justificativas para explicar o que é de sua natureza. É claro que o sistema em que vivemos tem sua parcela de culpa, mas, quando escolhemos fazer algo ruim, significa que poderíamos ter escolhido qualquer coisa diferente também, mas ES-CO-LHE-MOS o caminho da vingança, da superioridade e do poder. Não deixa de ser triste. Lembrei de sad but true (Metallica) 

E se você acha que Eveline é uma exceção, eu já acho que estamos prestes a descobrir um ninho de mulheres envolvidas nesse tipo ação, ainda mais agora, que elas possuem supostos privilégios e, em alguns momentos, basta a sua palavra, sem qualquer comprovação. 

Essa realidade de mulheres no crime já foi mostrada em rede nacional no passado, pela personagem Bibi Perigosa (Juliana Paes) em uma novela de Glória Perez, autora que admiro porque se recusa a continuar sendo moldada pela agenda da moral e bons costumes que visa destruir toda forma de entretenimento que é considerada nociva. A última novela da autora ficou sem pé nem cabeça e ela brigou com a emissora após constatar mudanças em sua trama futura,  preferindo abrir mão dela, a se submeter às interferências supostamente necessárias. 

Pelos tempos estranhamente sombrios em que vivemos hoje, acho que muito mais está por vir. Não apenas por mulheres como Eveline, mas pela degradação de grande parte da população em geral - mulheres, homens, homossexuais, héteros, pans, pessoas com seus corpos e mentes em perfeito estado e também as que possuem determinadas especificidades. Prevejo um aumento perigoso de pessoas em alguma atividade criminosa de alto risco, pois o sistema está ruindo, os homens têm sua natureza ambiciosa pela sede de poder, então logo esse pessoal terá seus motivos para justificar suas escolhas que ajudarão a ruir com o país, e com o aval de um sistema que me parece estar com catarata, confundindo ratos com filhotes de cães ou gatos, alimentando-os em suas tetas, feito bebezinhos bênçãos de Deus no colinho da mamãe - bebezinhos que crescerão,  tornar-se-ão homens vistosos, atraentes e asfixiarão a própria mãe, sedentos que estarão por mais daquilo que recebem, mas a mãe não terá mais condições de suprir. 

Preciso deixar claro, hoje em dia, que não se trata, realmente, de homens e suas mães. Isso se chama metáfora. Se você precisou dessa explicação, nem sei o que faz aqui. Deve estar perdido de sua mãe. 

segunda-feira, 4 de agosto de 2025

ESSENCIALMENTE, À BEIRA-MAR



O fim de uma tarde à beira da praia pode ser emocionante. Daqueles dias em que até o Sol, nosso Astro-Rei, se manifesta a nosso favor nos proporcionando na medida certa seu calor que não castiga a pele e ainda permite gozar da brisa fresca do mar. 

Era um entardecer poético para Clarice. Ela caminhou com Charles, uns bons metros, até chegarem àquele local: uma parte sem movimento, onde algumas pessoas passavam aqui, acolá, não tão próximas. 

Charles foi quem teve a iniciativa de parar naquele ponto, sem nenhum motivo aparente. As mãos estavam dadas e ele simplesmente olhou para a areia em seus pés e parou. Clarice sentiu a súbita imobilidade pela mão dele segurando a sua, então também parou.

As mãos se soltaram, embora Charles ainda segurasse as próprias sandálias enquanto observava alguma coisa na areia. Eram resquícios. 

Ele se agachou e, ignorando um pouco da brisa refrescante, após analisar o que estava perto de seus pés, olhou para cima, em direção ao rosto delicado de sua amada, e perguntou:

-- Você consegue ver esse amontoado de coisinhas aqui?

-- Parece um amontoado de conchinhas. Algumas são bem pequeninas.

-- Exato. E você sabe o que elas têm em comum conosco?

Clarice franziu o cenho, até se pôs a pensar, mas se rendeu ao que ele tinha a explicar:

-- Essas conchas são a prova cabal da existência de alguém.

-- Você falando assim, Charles, até pareceu se tratar de alguma pessoa.

-- Em relação a uma pessoa, cada uma dessas conchas seria como o esqueleto de um ser humano. Já pensou? A gente estaria se deparando com um cemitério. 

Ele riu. Aquela risada breve de um segundo, como quem achou graça no que acabou de expor. Clarice, porém, não achou a menor graça. Queria saber aonde ele iria chegar com tal história.

-- Você, Clarice -- Charles falou, após contemplar um pouco mais aqueles fragmentos aparentemente tão insignificantes e inofensivos. -- Você nasceu criança. Deve ter sido mimada e birrenta em toda a adolescência, para o desespero de sua mãe.

-- Ah, pronto! E você já deve ter saído entorpecido de dentro da sua, com uma vontade louca de beber, só que não o leite marterno, talvez um corotinho de pinga no bar mais próximo da maternidade.

Ele riu, voltou a olhar para as conchinhas, então falou:

-- Aí você foi crescendo, se desenvolvendo, seu corpo todo foi mudando, se fortalecendo, certo?

-- E daí?

-- E daí... -- ele se levantou e fixou seu olhar aos olhos dela, um tanto impacientes pelo término do que ela já considerava uma palestra. -- Você se transformou nessa mulher linda e gostosa que é. -- Os braços foram se envolvendo com cautela ao corpo dela. -- E vai ficar comigo a vida inteira. E quando você ir, minha cara, o que é que vai restar? O seu esqueleto. Ele é a testificação da sua existência.

-- Até virar pó -- ela disse, sentindo o hálito quente dele fazendo com que sua própria boca ficasse seca diante daquela face máscula agora tão perto e vislumbrando além de seus belos globos oculares.

Charles não se cansava de admirar aquela beleza venusiana, agora acarinhada pelas suas mãos. As duas, pois as sandálias ficaram no chão.

-- Essas conchas, sabe, elas um dia foram o habitat, a espinha dorsal, a base da vida de alguém. Eu me refiro a um tipo de molusco, é claro, mas é um ser vivo que talvez tenha tido alguma importância no universo em que viveu. Quem é que sabe dos segredos da vida no mar? Esses seres tiveram sua existência e agora se resumem a isto aqui: meras carcaças de cálcio que vão se desfazendo aos poucos, entregues à ação da natureza, decompondo-se, integrando-se a essa areia. 

Clarice permaneceu em silêncio. Os olhos dele penetraram o avesso dela ao dizer: 

-- E assim é a nossa vida, bebê. Só que eu acho o nosso universo, como seres humanos, tão mais interessante. Podemos fazer tantas coisas, desfrutar do mundo inteiro. 

Charles sorriu em meio ao súbito silêncio onde o barulho das águas era música para a alma. 

Clarice tomou a iniciativa de envolver seus braços aos ombros dele, com delicadeza, mostrando sua receptividade em relação a algo mais que ele desejava lhe dar. 

Os lábios se uniram. A brisa refrescante regulava o calor da atratividade corporal. Eles foram se tocando, se acariciando, se sentindo... de acordo como o momento fluía. 

Ele, apenas de bermuda. Ela, um vestido florido. 

Suas vestes não foram empecilho. 

Ela pegou a carne dele e a introduziu dentro da sua. 

Os corpos ficaram literalmente ligados e eles se entregaram àquela vontade mútua.



Levei cerca de três dias para fazer este conto. Eu mesmo, sem nenhum tipo de IA. A inteligência artificial está nas imagens (é claro!) que o Ideogram fez, de acordo com o que pedi (configurei). As imagens dele vieram primeiro, a inspiração do conto surgiu a seguir, depois vieram as imagens dela. Clarice e Charles: nomes que escolhi em homenagem ao mercado literário.

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Era para eu colocar uma tirinha de quadrinhos das gêmeas Paulinha e Claudinha, mas ela não está pronta, então resolvi zapear na blogosfera, ...