segunda-feira, 24 de novembro de 2025

ACOLHIMENTO NA CAFETERIA

Faço minhas considerações após o conto em primeira pessoa (é uma mulher)

Senti algo ruim me abordar, uma espécie de energia invisível que se fez presente e pareceu até me abraçar. Um calafrio me veio, subitamente. Gomez até percebeu o bico dos meus seios duros, mesmo trajando uma blusa grossa por cima de uma camiseta. Não era um dia frio de inverno, mas eu quis usar a blusa porque não sentia tanto calor, no momento, e julgava que a temperatura fosse cair ao longo da tarde. Eu já estava com um arrepio na alma.
Por vezes, quis convencer a mim mesma de que tinham sido apenas pé de milho e cara de galã naquele carro, que era coisa da minha cabeça a neurose permanente que me fazia, agora, ficar atenta a todos ao meu redor.
― Sério? ― eu disse, tentando simular um certo controle emocional que Gomez estava notando que não mais havia.
― São hipóteses, mas é bem provável que o seu sequestro não tenha começado no instante em que entrou naquele carro. Você foi sondada antes. Um pegou seu celular e o outro fingiu que ia detê-lo, mas acabou deixando-o escapar. É claro, a real intenção dele não era pegar o ladrãozinho, era distrair a sua mente deixando-a nervosa, abalada, mexida, incapaz de raciocinar direito porque ele lhe tomava toda a atenção naquele momento. Não foi assim?
― Foi.
Como eu não tinha conseguido pensar em algo tão óbvio? Eu achava que conhecia os meandros da coisa toda, só porque passei uma noite inteira com aqueles dois, mas a real é que eu não sabia era de nada.
Eu me lembrei, de repente, do meu cativeiro: aquele sobrado enorme e horroroso, daquela cabecinha que vi transitar pelo corredor que fazia divisa com a parede do cativeiro. Era a cabeça de um homem. Do pouco que pude ver, naquele momento, foi fácil notar que era um homem que estava passando ali. Engraçado que o muro, do meu lado, era tão grande que precisei utilizar aquelas caixas de madeiras podres e o balde, para tentar atingir a altura necessária para escalá-lo e fugir. E não consegui. Mas o nível do piso era diferente no outro lado, pois, se fosse o mesmo, jamais teria visto a cabeça daquele sujeito, por mais alto que ele fosse. Lembro que gritei, gritei várias vezes para atrair da atenção dele, chamei por ele tantas vezes, mas o filho da puta nem ligou. Passou pela minha cabeça que ele tivesse problema de audição. Agora penso que ele pode, muito bem, ser mais um integrante do bando. Que homem ignoraria uma mulher esgoelando, bem ao lado, implorando por ajuda? Não um bom homem!
Olhei para Gomez, disfarçando ao máximo o pesar que suas informações me causaram, só que ele, macaco velho que era, sabia o quão mexida fiquei. Aqueles olhos me contemplavam em um misto de atenção, observação e uma empatia além de imaginar como me sentia, além de se colocar no meu lugar. Era um grau maior, de quem gostaria de ter liberdade para me abraçar, me amparar, me proteger.
― O Dr. Lima deve chegar em quinze minutos, eu acho. Enquanto isso, o que acha de tomarmos uma xícara de café aqui perto?
― Melhor não. Ele pode aparecer e não encontrar a gente.
― Daí, ele entrará em contato comigo, pelo meu celular, e a gente volta. Não tem problema.
― Vocês combinaram isso, né? Você e ele?
― É. 
Havia algo impreciso naquela afirmação, mas, sabe de uma coisa? Eu não tinha que ficar analisando o que me era desconhecido. Eu estava diante de uma autoridade policial, deveria me sentir segura, se ele afirma não haver problema algum em tomar um cafezinho, é porque realmente não há. Não me cabe analisar sua credibilidade.
Fomos parar em um estabelecimento conhecidíssimo, a três quadras dali.
As pessoas o olhavam com certa intimidade que se mostrava até no modo informal de se tratarem.
― O de sempre ― ele sorriu para a atendente que me deu um olhar estranho, como se não tivesse gostado de me ver. 
Era uma moça com idade compatível à minha, eu nunca a tinha visto mais gorda por aí, mas minha presença a incomodou, tanto que precisei fazer meu pedido à outra atendente, que quis me empurrar um copo descartável cheio de arroz-doce, alegando que era o mais vendido, o carro-chefe da casa, mas recusei e preferi apenas um pingado com pães de queijo. Havia uma promoção em que era mais vantagem adquirir três pãezinhos de queijo, em vez de dois, então aderi. 
Fiquei curiosa para saber do que se tratava o tal “o de sempre” que Gomez  tinha pedido. Quando a mulher trouxe um pratinho com pastel de queijo e, em seguida, um copo americano com um cafezinho preto vagabundo, ele olhou bem na minha cara e soltou, em meio a um sorriso de quem percebeu minha curiosidade e, agora, minha decepção:
― O que você esperava?
― Ah, sei lá. Algo não tão simplório assim.
Ele deu uma risadinha e saboreou o café fumegante.
A outra moça surgiu com meu pedido, acomodando-o à minha frente.
― O seu não é nenhum ícone de sofisticação, madame. Quem é a senhora mesmo, a Rainha Elizabeth?
Eu não soube o que responder, mas aquele jeito debochado dele me arrancou um sorrisinho de canto de boca. 
Preferi saborear logo o pingado. Então ele falou:
― Sabe desde quando eu venho aqui e tomo este cafezinho que fez você torcer esse seu nariz arrebitado aí? Desde que me conheço por gente, eu era um pequeno guri.
O senhor que estava cuidando do caixa, próximo aonde estávamos, interveio em alto e bom tom:
― Não é bem assim, a loja não existia na época da Santa Ceia!
― É claro que não! Nessa época, o meu avô tava carcando na sua avó!
O homem caiu na garalhada e voltou sua atenção ao cliente que apareceu para pagar sua conta.
Gomez olhou para mim e falou:
― Não liga, não. A gente se conhece desde criança. É assim mesmo.
O homem do caixa se meteu de novo:
― Já bati muito nesse carcamano! É por isso que ele parece meio doido!
― Já bateu “pra” mim, né? Você quer dizer. Olha que eu conto nosso segredinho… 
― Que você me mostrava que estava usando a calcinha da sua mãe e me pedia para tocar em você? Quer mesmo que ela saiba disso?
― Só se você me deixar contar que eu metia no seu rabo logo depois. Você até virava o “zoínho”!
Eles ficaram naquela zoeira, como se fossem dois meninos na puberdade, enquanto eu degustava do que havia pedido. Pela primeira vez, desde muitos dias, o alimento me descia bem. Eu me alimentava com calma. Os pãezinhos de queijo estavam ótimos. O pingado tinha um quê especial. 
Gostaria que o tempo não passasse tão rápido, mas logo me vi caminhando de volta àquele ponto de ônibus e Gomez não mais fazia gracinhas, sua irreverência foi deixada naquele Café.
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Este é a segunda vez que posto um trecho do longa que estou escrevendo. O anterior, você confere clicando aqui
Eu avancei bastante na história. Sandra, a protagonista, fará uma espécie de reconstituição de seu sequestro, mas o delegado não chegou ainda. Na verdade, o investigador Gomez, um senhor bem experiente no ramo, foi na frente, visando preparar o emocional dela.
Preciso confessar que tive que pesquisar sobre os procedimentos desse negócio de reconstituição. O conhecimento que adquiri foi bem diferente em relação ao que pensei, mas estou inserindo na história. A gente é acostumado a ver coisas diferentes do nosso sistema brasileiro. Filmes e séries, livros internacionais. Então a gente acha que pode fazer igual. Não. Não pode. Perde-se a credibilidade. Por isso é importante pesquisar e procurar saber como funciona tal coisa. Também preciso dizer que a cafeteria existe, ela é histórica no centro de Ribeirão Preto.
Bom, se você leu até aqui, muito obrigado pelo seu tempo e seu carinho.

2 comentários:

  1. Oi, Fabiano! Muito bom. Você sempre escrevendo como um escritor que sabe o que faz. Já tô na pilha aqui, querendo devorar esse livro todo quando tu o finalizar. Só esse pedaço já me cutucou o juízo, me deixou querendo mais. Não é pra bancar o chato, mas eu amo essa coisa de leitura, e suas histórias, elas costumam me acertar em cheio, meu amigo. Abraço!

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    1. Ficarei muito feliz, você é um dos melhores leitores que tenho. Vai demorar um pouquinho ainda. Não estou tão exigente com a escrita, mas a história é longa. Mas ficarei muito feliz se ler. Um abraço.

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