segunda-feira, 4 de agosto de 2025

ESSENCIALMENTE, À BEIRA-MAR



O fim de uma tarde à beira da praia pode ser emocionante. Daqueles dias em que até o Sol, nosso Astro-Rei, se manifesta a nosso favor nos proporcionando na medida certa seu calor que não castiga a pele e ainda permite gozar da brisa fresca do mar. 

Era um entardecer poético para Clarice. Ela caminhou com Charles, uns bons metros, até chegarem àquele local: uma parte sem movimento, onde algumas pessoas passavam aqui, acolá, não tão próximas. 

Charles foi quem teve a iniciativa de parar naquele ponto, sem nenhum motivo aparente. As mãos estavam dadas e ele simplesmente olhou para a areia em seus pés e parou. Clarice sentiu a súbita imobilidade pela mão dele segurando a sua, então também parou.

As mãos se soltaram, embora Charles ainda segurasse as próprias sandálias enquanto observava alguma coisa na areia. Eram resquícios. 

Ele se agachou e, ignorando um pouco da brisa refrescante, após analisar o que estava perto de seus pés, olhou para cima, em direção ao rosto delicado de sua amada, e perguntou:

-- Você consegue ver esse amontoado de coisinhas aqui?

-- Parece um amontoado de conchinhas. Algumas são bem pequeninas.

-- Exato. E você sabe o que elas têm em comum conosco?

Clarice franziu o cenho, até se pôs a pensar, mas se rendeu ao que ele tinha a explicar:

-- Essas conchas são a prova cabal da existência de alguém.

-- Você falando assim, Charles, até pareceu se tratar de alguma pessoa.

-- Em relação a uma pessoa, cada uma dessas conchas seria como o esqueleto de um ser humano. Já pensou? A gente estaria se deparando com um cemitério. 

Ele riu. Aquela risada breve de um segundo, como quem achou graça no que acabou de expor. Clarice, porém, não achou a menor graça. Queria saber aonde ele iria chegar com tal história.

-- Você, Clarice -- Charles falou, após contemplar um pouco mais aqueles fragmentos aparentemente tão insignificantes e inofensivos. -- Você nasceu criança. Deve ter sido mimada e birrenta em toda a adolescência, para o desespero de sua mãe.

-- Ah, pronto! E você já deve ter saído entorpecido de dentro da sua, com uma vontade louca de beber, só que não o leite marterno, talvez um corotinho de pinga no bar mais próximo da maternidade.

Ele riu, voltou a olhar para as conchinhas, então falou:

-- Aí você foi crescendo, se desenvolvendo, seu corpo todo foi mudando, se fortalecendo, certo?

-- E daí?

-- E daí... -- ele se levantou e fixou seu olhar aos olhos dela, um tanto impacientes pelo término do que ela já considerava uma palestra. -- Você se transformou nessa mulher linda e gostosa que é. -- Os braços foram se envolvendo com cautela ao corpo dela. -- E vai ficar comigo a vida inteira. E quando você ir, minha cara, o que é que vai restar? O seu esqueleto. Ele é a testificação da sua existência.

-- Até virar pó -- ela disse, sentindo o hálito quente dele fazendo com que sua própria boca ficasse seca diante daquela face máscula agora tão perto e vislumbrando além de seus belos globos oculares.

Charles não se cansava de admirar aquela beleza venusiana, agora acarinhada pelas suas mãos. As duas, pois as sandálias ficaram no chão.

-- Essas conchas, sabe, elas um dia foram o habitat, a espinha dorsal, a base da vida de alguém. Eu me refiro a um tipo de molusco, é claro, mas é um ser vivo que talvez tenha tido alguma importância no universo em que viveu. Quem é que sabe dos segredos da vida no mar? Esses seres tiveram sua existência e agora se resumem a isto aqui: meras carcaças de cálcio que vão se desfazendo aos poucos, entregues à ação da natureza, decompondo-se, integrando-se a essa areia. 

Clarice permaneceu em silêncio. Os olhos dele penetraram o avesso dela ao dizer: 

-- E assim é a nossa vida, bebê. Só que eu acho o nosso universo, como seres humanos, tão mais interessante. Podemos fazer tantas coisas, desfrutar do mundo inteiro. 

Charles sorriu em meio ao súbito silêncio onde o barulho das águas era música para a alma. 

Clarice tomou a iniciativa de envolver seus braços aos ombros dele, com delicadeza, mostrando sua receptividade em relação a algo mais que ele desejava lhe dar. 

Os lábios se uniram. A brisa refrescante regulava o calor da atratividade corporal. Eles foram se tocando, se acariciando, se sentindo... de acordo como o momento fluía. 

Ele, apenas de bermuda. Ela, um vestido florido. 

Suas vestes não foram empecilho. 

Ela pegou a carne dele e a introduziu dentro da sua. 

Os corpos ficaram literalmente ligados e eles se entregaram àquela vontade mútua.



Levei cerca de três dias para fazer este conto. Eu mesmo, sem nenhum tipo de IA. A inteligência artificial está nas imagens (é claro!) que o Ideogram fez, de acordo com o que pedi (configurei). As imagens dele vieram primeiro, a inspiração do conto surgiu a seguir, depois vieram as imagens dela. Clarice e Charles: nomes que escolhi em homenagem ao mercado literário.

9 comentários:

  1. Respostas
    1. Você já teve um momento desse à beira-mar? Mera curiosidade.

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    2. Opa! Você sabe aproveitar as coisas boas da vida. Aí sim, hein?

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  2. Achei muito romântico o cara falar do esqueleto da amada...momento poético, inesquecível.

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    1. Eu me achando um Sidney Sheldon ao finalizar e postar o conto, agora dou risada desse comentário, percebendo o que eu realmente provoquei no leitor.

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    2. E pensar que o nome era para ser "Esqueletos à beira-mar". Sério!

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  3. Fabiano,
    Maravilhosa narrativa com todos
    os elementos para deixar a gente
    que é leitor preso desejando ler
    logo as próximas frases e o desfecho.
    Quando leio assim, comparo com a
    leitura a um copo de água fresca
    em um momento de sede, quando
    só paramos de ler, no último gole.
    Obrigado por nos brindar. Sei que
    você sabe disso, mas vou dizer assim
    mesmo: Você escreve bem em qualquer
    dos tema. Porque sua escrita é legítima
    e honesta.
    Bjins
    CatiahôAlc.

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    1. Agora entendo que realmente "converso" com as mulheres em minha escrita. Fico feliz por conseguir proporcionar um momento bom em sua leitura. Muito obrigado por me ler, querida.

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