domingo, 28 de setembro de 2025

O INDÍCIO OCULTO DE UM CRIME

Dona Chica fez uma intreração interessante em sua postagem onde pediu para que criássemos algo utilizando as palavras aquilo - detetive - zom. Pode ser uma frase, um miniconto, uma poesia, qualquer texto compreensível.

Quando ela faz essas brincadeiras, a própria postagem já traz a criação dela como exemplo, e eu dei uma risadinha no final do miniconto dela. Adorei. Convido você a ler o que ela escreveu lá, direto no blog dela.

Segue abaixo, o conto que coloquei nos comentários dela e compartilho aqui, para guardar no meu blog. Quem sabe eu o use por aí, em outras publicações na vida.

O INDÍCIO OCULTO DE UM CRIME

Aquilo vinha e voltava na mente do detetive. Aquele corpo nu, visivelmente atirado ao chão frio e duro do cômodo sombrio no interior mais funesto daquele prostíbulo.

Ele tirou fotos e mais fotos. Fez vídeos também.

Agora tinha que tentar dormir, mas dormir de que jeito, se já eram quase cinco da manhã, a adrenalina ainda não baixara e seu celular estava ali, na palma da mão, com todas aquelas imagens que ainda visualizava.

Na tela, o dedo deslizava. Uma a uma, as fotos eram analisadas.

Eis que, em um repente, ele se viu obrigado a dar um zoom.

Olhou, viu que existia um pequeno detalhe que representava a diferença sobre a causa da morte daquela pessoa. Pensava-se, até então, em overdose na veia, pelos indícios do material encontrado ao lado. Chegava ser óbvio.

Agora ele passou a cogitar asfixia.

Um sinal pequeno, leve, como uma ínfima marca de dedo no pescoço. Um local praticamente escondido por causa da posição tosca em que se encontrava a vítima. Só uma das inúmeras fotos conseguiu captá-lo. Um hematoma na região da traqueia. Combinava com a boca entreaberta, a maneira como ela estava. Ela não podia declarar seus verbetes sobre o que lhe fizeram, mas, a seu modo, ajudou os indícios do corpo a alertarem que aquele cenário de vício descontrolado fora forjado.

Será?

sexta-feira, 26 de setembro de 2025

WANDINHA, DA NETFLIX


Vi a série Wandinha, da Netflix. 2 Temporadas com 8 episódios cada.
Gostei de ambas. Cada uma traz uma situação com começo,  meio e fim, então você pode ver apenas a primeira (ou a segunda) e tudo bem. 
Apesar dos tempos em que vivemos, onde existe um cerceamento ferrenho contra impactos, gatilhos e muita coisa, tornando muito difícil algumas coisas peculiares se tornarem divertidas, essa franquia conseguiu realmente tirar leite de pedra e trouxe entretenimento do bom, principalmente pela originalidade em que colocaram esse núcleo que sempre se resumiu a uma família monstro em um microuniverso onde convivem com vizinhos que os acham bizarros. Conseguiram elevar a família a um patamar melhor, colocando uma porção de acontecimentos em um lugar onde eles não são os únicos esquisitos, 
Não digo que a série é melhor que os dois filmes tão famosos no passado, estrelados por Anjelica Houston  Raúl Juliá e Christina Ricci. Digo que a série é tão boa e icônica quanto. 
Uma terceira temporada foi anunciada. Espero que não demorem nem façam a palhaçada de fracioná-la, como aconteceu em Round 6. De qualquer maneira, eu só quero dizer que para mim valeu muito a pena ter visto. 

segunda-feira, 15 de setembro de 2025

VISITANDO AMIGOS BLOGUEIROS

Era para eu colocar uma tirinha de quadrinhos das gêmeas Paulinha e Claudinha, mas ela não está pronta, então resolvi zapear na blogosfera, porque sei que estava devendo visitas a alguns blogueiros que aqui vieram e já devem ter pensado que sou folgado e outras coisas mais.

O primeiro blog que visitei foi o da Catiahô, mas este eu já conheço. No começo, eu detestava o layout e o estilão da postagem, dividida em algumas partes. Eu me sentia como um vampiro em um amontoado repleto de cabeças de alho. Um dia, tomei vergonha na cara e me conscientizei de que o Sol não gira no meu umbigo. Uma pena. Não é o blog dela que tem que se moldar a mim. Sou eu que preciso gostar do jeitinho que o blog é. Hoje, já estou acostumado e penso que é melhor assim, que cada um permaneça com sua autenticidade, pois, ainda que ela fizesse mudanças, isso não garantiria que eu virasse fã. Adorei tudo na postagem dela, desta vez, até a música, que foi da Calcanhoto. Eu gosto da Calcanhoto. Ela me remete a um tipo de calmaria que eu tenho certeza que não faz parte da Calcanhoto, mas minha mente debiloide quer acreditar que sim. Enfim, prefiro não discutir com meus eus, porque eles são muito difíceis. 

Em seguida, visitei o blog do Andre Mansim, cujo sobrenome deve ser uma baita pegadinha em uma noite quente de verão, principalmente se ele fosse solteiro e eu fosse uma mulher bonita. Ele tem cara de padre, mas eu sei que padres são fogosos também, então tá tudo certo imaginar essas coisas. 

"A Festa do Arcanjo Miguel". Tanta postagem para eu "dar de cara", mas um homem que já foi mormon, psicografou, participou de reuniões de preto velho, fez reiki nível 1 e foi voluntário por uns meses, estudou o livro do ouro de Sant Germain e a poderosa chama do Eu Sou, fez rituais de sigilação, ordenou a servidores etc etc etc, bom, eu só poderia me deparar com essa postagem como sendo a primeira. Às vezes eu tenho a impressão de que o universo ri na minha cara.

Eu me impressionei com a escrita dele. Vi outras postagens. O blog dele é viciante. Escrita boa pra caralho. Vi que tem livro também e tal, mas o tempo é um só, também sou escritor, youtuber, dono de casa, enfim, foi preciso sair de lá e conhecer outro blog. Afinal, o tempo estava indo.

Cheguei ao blog da Dona Chica. Tudo bem meigo. Bem meigo mesmo. Eu me senti o Fabianinho de uns sete anos, a doce menininha toda inocente sobre a vida, esperando minha avozinha paterna terminar de fazer a "pida" (um tipo de pãozinho sírio, mas ela era italiana, então sei lá). Isso é bom ou ruim? Não sei. Gostei de me lembrar de minha avó, mas meus eus já vieram logo em minha autodefesa e colocaram um comentário irreverente lá. Espero que ela não se zangue. Foi só para quebrar a pasmaceira. Eu vejo as pessoas comentando praticamente o mesmo tipo de coisa, então penso: "vou colocar algo diferente, nem que seja para provocar". O ruim é que posso errar a dose e ofender a pessoa. Preciso tomar cuidado com isso.

Prometo não falar mais do Ronaldão, viu Edu? Sei que você não gosta e te acho muito gente boa no blog.

Por fim, conheci o blog da Daniela, um nome lindo que lembra uma cliente maravilhosa dos meus tempos de filmagem de aniversários, batizados e casamentos. Ela se chamava Daniela, era uma mulher belísssima. E o marido não lhe dava valor. Eu via, mas era apenas o filmador, então ficava na minha. Isso foi há muito tempo, os filhos eram bebês. Devem estar enormes. Mas, fica a afeição.

O blog Alma Leve, da Daniela, me abriu com uma historinha poética superfofa. Como meu espírito, hoje, não está metabolizando muito bem essas coisas, reescrevi mentalmente (só em minha imaginação), aquele final, mas eu conto aqui. A menina acabou pisando em falso, se desequilibrou e caiu do alto da rocha onde estavam. Felizmente sobreviveu, mas quebrou uma perna e um braço, o que fez com que João, tomado pela culpa e o romance ingênuo, se sentisse importante em ter que visitá-la todos os dias, levando sempre um chocolatinho, a materialização do quanto a considerava gostosa e divertida.

O post anterior dela conversou mais comigo, pois falava da importância que nós, escritores, temos de nos expressar, o nosso jeito de ser, caracterizado no que transmitimos em palavras. Ela fechou com uma colocação curta e direta, e que considero essencial sobre nosso espaço na Internet. Adorei conhecer a escrita dela.

Adicionei todos em minha lista, pois é o meio mais fácil para eu conferir as atualizações. Prometo visitá-los sempre, mas, se eu passar um tempo sem ir, não é nada pessoal. É que eu também escrevo, leio, faço minhas coisas, o tempo é um só para muitas atividades. Adorei conhecer o espaço de vocês. 

Também adicionei você na lista, Jotabê. Um abraço.

domingo, 7 de setembro de 2025

UM CONTO SOBRE TRAIÇÃO

Obs: Narrado em primeira pessoa do sexo feminino

Acordei quando boa parte da manhã já tinha ido. Com certa lerdeza no andar e a visão um tanto turva, eu olhava à minha volta e não conseguia encontrar os pães. Estava certa de que havia uma embalagem fechada de pães de forma. Eu os mantive guardados, justamente para não ter o trabalho de ir à padaria quando não me sentisse disposta, mas agora não os encontrava, então me restou escovar os dentes, tacar uma água na cara, colocar uma roupa e ir comprar os benditos pães de todo dia. Só que eu não comprava pães de forma na padaria. Não. Lá, eles custavam mais caro. Compensava aproveitar as ofertas do supermercado. Na padaria, eu dava preferência ao filãozinho, ou seja: o tal do pão francês.

Antes, inventei de fazer café. Enquanto ele passava pelo coador, meu intestino deu sinais. Poxa, não podia esperar um pouco, até que eu voltasse da padaria? O jeito foi obedecer. Fiquei mais tempo do que pensei. Uma parte gordurosa indicou que tinham ido embora os lanches gordurosos consumidos ontem, na minha mãe. Sentindo-me cinquenta quilos mais leve, tive a sensação de flutuar a cada passo. Sério! Não tem sensação melhor que esta! Nem a do orgasmo!

O café estava pronto. Fechei a garrafa térmica, lavei as peças do coador e procurei a caneca que eu sempre utilizava para bebericar um pouco dele. Não a encontrei. Raios! O que estava acontecendo? O jeito era ir logo até a padaria. Como se, ao voltar, uma mágica aconteceria: eu encontraria minha caneca e, quem sabe, até os pães de forma.

Quando saí portão afora, vi o carro do irmão de Júnior estacionado em frente a casa dele. João Gilberto estava sozinho. Achei um verdadeiro milagre “aquela uma” não ter vindo. Se bem que não era nada comum a presença do próprio Gil em pleno dia de semana, quase na hora do almoço. Aquilo foi o suficiente para que eu acionasse, automaticamente, uma luzinha amarela dentro de mim. Aquela que, a exemplo dos semáforos, indica atenção. No caso, parecia que algo estava prestes a acontecer. 

Fingi esquecer alguma coisa, então voltei para dentro de minha casa, mas fiquei andando feito barata tonta pela garagem, fazendo de conta que estava procurando algo. Se alguém me perguntasse, eu diria que minha moeda tinha caído em algum lugar. A verdade é que eu resolvi enrolar, a fim de ver o que se desenrolaria à minha frente, já que era possível ver tudo o que se passava pelas grades do meu portão.

A casa de Júnior tinha campainha. Gil a tocou e, em seguida, escutei-o dizendo ao celular:

— Abre essa porra, senão vai ser pior pra você!

A voz dele não era alta. A pronúncia me soou quase inaudível. Era um tom macio, suave e grave ao mesmo tempo. Não era um vozeirão inflamado. Era uma voz masculina, só que suave. Ainda que ele estivesse puto, era próprio de sua voz o som de uma certa calma.

O portão de Júnior é um pouco melhor em relação ao meu, só que ambos não possuímos trava automática. Para destrancá-lo, é preciso que Júnior apareça com as chaves. Continuei me fingindo de morta, na expectativa de vê-lo surgindo. E foi o que aconteceu.

Eu me lembrei de ontem, quando saí sem ser notada enquanto Júnior dormia, de quando tranquei tudo e atirei as chaves ao chão, vendo-as deslizar pelo piso frio e liso, até pararem no rumo da porta da sala. Era para Júnior, agora, se agachar para apanhá-las, só que não. O modo direto do caminhar dele rumo ao portão me fez entender que o bonito já tinha acordado há certo tempo e apanhado as chaves. Ok, eu era a dorminhoca da ocasião. Queria pensar que ele também tivesse dormido bastante, como eu, e só neste exato momento estivesse indo até o portão. Então eu o veria abrindo a porta da sala e estranhando o fato de flagrar as chaves bem ali, um passo adiante, no chão da garagem. Ele se agacharia para pegá-las e se lembraria de mim com carinho. Essa idealização só existiu na minha cabeça.

Júnior veio rápido até o portão, pedindo calma. Ouvi ele falando “calma”, umas três vezes, no mínimo. E cada vez que Gil o ouvia, mais eriçado ficava. 

Gil nem entrou direito e já foi para cima de Júnior. Quis esmurrá-lo, mas o irmão, esperto que é, afastou-se logo. Gil gritava, xingava nomes horrorosos, nem parecia aquele homem controlado que eu tanto via. Não me lembro desse descontrole nem no dia do atropelamento de sua própria filha: aquele momento estúpido que eu gostaria de não me lembrar.

Júnior correu para dentro. Gil o seguiu, ainda gritando. O portão ficou aberto.

Não havia mais motivo para permanecer em minha garagem. Fui até o portão dele e fiquei na indecisão sobre adentrar. Percebi os dois lá dentro, na sala, um querendo falar mais alto que o outro, mas nada se aproveitava, eram ofensas de baixo calão. Alguns barulhos indicavam ações bruscas de alguém. Nesse momento, uma voz feminina surgiu, histérica, no desespero de apaziguar os ânimos. Ouvi dois novos barulhos. Pareciam murros. Ou eram empurrões? Alguém havia caído. A mulher gritava. Seu desespero era visível. 

Fiquei preocupada no momento em que ela falou:

— Para! Larga ele! Larga! Larga! Larga! Você vai matar o seu irmão! Ele tá ficando roxo! Não tá vendo? Larga ele, pelo amor de Deus, homem!

Eu estava pronta para intervir, mas percebi a súbita movimentação de alguém prestes a sair da sala e vir para a garagem, então, não sei o que me deu, eu me escondi em uma telha de amianto grande, colocada na vertical, que se apoiava em uma das paredes na área da garagem. Ninguém me via ali.

Gil apareceu sendo conduzido a duras penas pela própria esposa, que não parava de gritar para que fosse embora. Ela gritava, ele gritava os impropérios contra o irmão e Júnior revidava as ofensas, surgindo em seguida, apresentando certa dificuldade ao falar.

A tosca da mulherzinha, a muito custo, conseguiu tirar o marido de dentro da garagem.

— Pelo amor de Deus, homem! Vamos embora já!

— Sua puta! Vagabunda! Você vai ver quando chegarmos em casa! Ferro com a minha vida, mas você não vai ficar impune!

— Para! Para com isso, animal! O que você pensa que tá fazendo? Vamos embora logo, antes que alguém chame a polícia!

E Júnior, lá de dentro:

--Vai, corno! Obedece sua mulher, chifrudão! Tomou no cu gostoso, irmão! Cornão!

Uma nova descarga de adrenalina se apoderou de Gil, fazendo com que ele empurrasse a tonta da esposa e voltasse para a garagem. Júnior picou a mula para dentro, trancando a porta da sala e gritando lá de dentro:

— Corno! Corno viado! Corno manso! Chifrudo! Muuu! Ah, Ah, Ah!

Gil esmurrava a porta:

— Desgraçado! Vou acabar com sua raça!

— Muuu! Ah, Ah, Ah! Lero-Lero! Corno!

Gil começou a chutar a porta:

— Vou botar essa porra abaixo e vou acabar com a sua vida!

Lá fora, a mulher gritava e pedia para que fossem embora. 

Lá dentro, Júnior ria e debochava.

— Chupa essa fruta! Chupa essa fruta que pra você só tem o caroço! Eu já comi ela todinha! Ah, Ah, Ah!

Por incrível que pareça, a porta resistiu a todos os muros e pontapés de Gil, e não foram poucos. Por fim, o efeito da adrenalina foi passando e ele resolveu se juntar à esposa, lá fora, junto ao carro. Ela já não sabia mais o que dizer para convencê-lo a ir. Calou-se quando ele passou ao lado e vociferou um cala-boca, então entraram no carro e partiram.

Júnior abriu a porta e foi ligeiro em direção ao portão, viu o carro se distanciando e gritou mais impropérios. Sua voz estava rouca, praticamente afônica. Notei um hematoma ao redor do olho esquerdo e outro na parte inferior do nariz que, por sua vez, estava sangrando.

Ele ficou na calçada por um tempo, olhando o carro desaparecer ao longe. Ao entrar, trancou o portão e levou um susto quando me viu. Eu já tinha saído de trás da telha. Estava só observando quanto tempo ele levaria para me notar.

— Sandra!?

— Só me deixe sair, Júnior. Por favor.

— Er… Er… 

Ele queria me falar alguma coisa, mas percebi a dificuldade em concatenar as ideias. Eu não estava com ânimo para desenvolver nenhum tipo de papo cabeça àquela altura dos acontecimentos. Eu só queria sumir.

— Não… — ele disse, com muito sacrifício; até respirava com dificuldade, tamanha surpresa lhe causei.

— Só abra esse portão –- fui incisiva.

Ele o destrancou e o abriu. Dei uma última olhada naquele rosto machucado. Reparei também em uma vermelhidão no pescoço. Talvez tenha sido asfixiado por um mata-leão, o que tem a ver com os gritos da piranha, há pouco, dizendo que ele estava ficando roxo. Sim. Foi ele quem apanhou. E minha vontade era de bater nele também.

Só fui.

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Não comi os pães. Que pães? Os pães de forma que eu achei em um canto, no fundo da geladeira. Pois é! Era só ter aberto a geladeira.

Se eu tivesse aberto a geladeira, teria encontrado os pães de forma.

Se eu tivesse aberto a geladeira, não teria visto a menor necessidade de ir à padaria.

Se eu tivesse aberto a geladeira, não teria ido, àquela hora, até o portão de casa, não teria visto o carro do irmão de Júnior lá fora e não teria descoberto que Júnior me traiu com a cunhada.

Como a vida, às vezes, parece rir gostoso na cara da gente.

segunda-feira, 1 de setembro de 2025

O QUE IMAGINO DE LUÍS FERNANDO VERÍSSIMO

Hoje eu quero falar do escritor Luís Fernando Veríssimo, que morreu em 30 de Agosto de 2025, já tinha 88 anos e sofria de várias complicações, então posso dizer, sem pesar, que ele descansou e curtiu a vida como foi possível -- sim, pois, por mais otimista que seja um homem das antigas, se ele preza por sua família, ele sempre terá momentos de intensa frustração e cometerá erros talvez inexplicáveis, porque às vezes é preciso manifestar o peso de ser o provedor de todos os seus. Ainda que a esposa trabalhe e os filhos estejam criados e vivendo suas vidas em outros lares, formando suas próprias famílias, um pai das antigas sempre toma para si o fardo pesado de ser o provedor de seu lar e de quem ele se sente responsável, mesmo que esse alguém não more mais lá. Então, o viver intensamente de homens como Luís Fernando Veríssimo é bem diferente do viver intensamente dos homens de hoje, que não estão nem aí para um trabalho estável onde podem se aposentar e, por meio dele, obter namorada, mulher, carro, casa, filhos, um cachorro, juntar tudo e chamar de lar. 

O homem de hoje quer beijar, mas não quer se compromissar, quer amar, mas não quer tomar para si a responsabilidade de cuidar do(a) outro(a), quer ser feliz com ele(a), mas decide cair fora antes de ter maiores problemas pelos quais julga não precisar arcar. O homem de hoje não quer se ver trabalhando eternamente na mesma empresa, nem se sentir escravo, subalterno, inferior em seu trabalho. Ele quer dar sorrisos e manter a endorfina nas vinte e quatro horas do seu dia. Acha que a vida é um bem-estar constante, que o sofrimento, a rejeição, o constrangimento e a resignação servem para os outros aprenderem alguma coisa, mas nunca para si. Quando passa por alguma situação difícil, alguma provação, ele já não sabe o que fazer, se sente fraco demais, prestes a sucumbir. Não entende, ou melhor: não quer entender que a vida não é um eterno pátio colorido de coisas bonitas que sorriem e atendem suas expectativas. 

A impressão que eu tenho é que os homens de hoje despertam bem mais tarde para o que realmente é a vida. Alguns nunca despertarão. Comportar-se-ão como eternos jovens de dezoito a vinte e cinco anos, achando que a noite do fim de semana foi feita para frequentar barzinhos, boates e terminar com uma carne gostosa ao seu lado na cama -- algo que sempre foi o sonho de todos os antigos, ou da maioria, eu acredito. Sim! Muitos desejavam poder esticar a fase da juventude em que gozavam da vida. Então eles acordavam e tratavam logo de cuidar da realidade, que era diferente, mas não menos interessante.

Luís Fernando Veríssimo foi um escritor, roteirista, humorista, cartunista, dramaturgo, publicitário, músico, em uma época onde as mulheres não tinham todos os privilégios de hoje, nem os filhos, nem a sociedade proletária, então a pobreza, a ilusão e o romanceamento da fuga pelas responsabilidades da vida não ultrapassavam as páginas de papel, pois, se ele vivesse feito um alienado, certamente decairia em seu patamar de vida, levaria toda a família a essa queda e sofreria muito pelas mazelas sociais antes de ser agraciado por algum tipo de benefício atual que o permitiria sobreviver com uma corda no pescoço a todo momento. Quero dizer que, em seus tempo áureos, ele teve colhões para correr atrás de suas realizações, que cada conquista foi adquirida com os pés no chão e muito esforço, capacitando-se, exercendo suas aptidões, peitando dissabores, conflitos, provações, continuando a seguir em frente com medo mesmo, ou com raiva, sem tempo de ficar pensando demais na morte da bezerra, ou achando isto ou aquilo. 

Filho de Érico Veríssimo, exímio escritor cujo conteúdo de "Olhai os lírios do campo" eu vi fracionado desde cedo em livros diáticos da língua portuguesa em minha escola primária, ele certamente deve ter atraído olhares reprovadores de quem achou que a vida lhe deu regalias e privilégios. Se isso aconteceu, e daí? Cada um luta pelo seu espaço neste mundo utilizando-se dos recursos de que dispõe. O que importa no homem em geral, para se avaliar o quão significante é (ou foi) a sua vida são os valores, os princípios transmitidos e se o seu trabalho exercido teve um bom resultado a outrém. Eu acho que Luís Fernando Verísimo se encaixa nisso. O homem tímido que deu um jeito de se comunicar. A pessoa séria que soube fazer graça. Eu não conheço nada dele. Uma vez, li uma de suas obras, os tais contos de Ed Mort, e não "conversou" comigo naquela época, talvez porque eu estava passando por uma porção de coisas, ou talvez porque realmente não haja afinidade. Mas eu sou uma pessoinha errante que se esforça em continuar sendo um leitor quando tudo me desanima, quando todo santo dia eu vejo um estímulo para abandonar esse hábito. O que eu quero dizer é que eu não sou parâmetro e que pessoas com mais alegria de ler, que possuem mais intimidade nesse meio literário, não apenas podem discordar de mim, como, certamente, já leram outras obras dele em algum momento de suas vidas. 

É só isso o que eu gostaria de dizer. Acho que falei uma porção de bobagens, mas é que todo mundo já falou o que deveria ser dito, então eu não queria, agora, simplesmente fazer o papel de um papagaio. Que me perdoem se viajei demais. Foi a imaginação que falou mais alto. Eu não queria deixar passar em branco, como foi a um monte de outros autores, pois a escrita do Luís Fernando, do pouco que vi, foi essencial para a comunicação mais popular e coloquial que predomina agora.

Um abraço, meus caros! Se você leu algo do autor, coloca aí nos comentários.

sexta-feira, 22 de agosto de 2025

CONSTRUÇÃO PARTICULAR

Noite quente, sei lá que horas, ventilador pequeno tentando refrescar o quarto que cheirava corpos ardentes que acabaram de se entregar ao orgasmo. 

Ele se esticou para apanhar o isqueiro e o maço de cigarros, mas continuou na cama e manteve o outro braço a ela abraçado. 

Ela, franzina, pele pálida, relaxava com a cabeça no peitoral suado, vermelho e gordo dele, cujo coração se ouvia bater em seus ouvidos. Uma das pequenas e delicadas mãos repousava na barriga peluda e saliente dele, como se ela fosse um imenso travesseiro.

Após contar sua condição soropositiva e também a condição de ansiedade e depressão, ela deixou claro que entenderia se eles não se vissem mais. Aquela era a terceira foda em um quinto encontro. Queria tê-lo para sempre, mas sabia que seria muito egoísmo. 

- A gente vai dando um jeito - ele falou, acendendo o cigarro à boca.

- E se a minha doença piorar?

- A gente vai dando um jeito - ele repetiu, regozijando-se no alcatrão e na nicotina do fumo.

- E se a sua vida se complicar?

- Ah, ela certamente irá. 

- Então! Como é que vai ser isso?

- A gente vai dando um jeito.

Eles se olharam, ele riu e tirou o cigarro da boca:

- Mulher, não existe vida perfeita em um relacionamento sério. Existe uma construção a dois. Você, com seus problemas, e eu com os meus. E enquanto a gente puder, a gente dá um foda-se para eles, fazendo o que que gente fez agora: fodendo. 

Ele voltou a fumar, contente em sentir a mão carinhosa dela lhe acariciando em silêncio. O que tinha acabado de dizer, não era sobre foda. Era sobre viver uma história junto, aconteça o que acontecer. Saber o que quer - e estar disposto a peitar o que vier - é o diferencial para o relacionamento sério.

quarta-feira, 20 de agosto de 2025

O RETRATO DA REALIDADE

Ribeirão Preto, em suas primeiras horas matinais, já apresentava a luz do Sol intenso invadindo a cozinha de Leo, que se deleitava em seu módico café da manhã, rodeado pela realidade do momento. Aquela cidade era predominantemente quente e seca, bem diferente de onde morava. Ali não tinha praia, sequer um riozinho decente para recreação. O foco era o comércio. O atrativo turístico girava em torno do agronegócio, mas ele estava feliz. O sentimento de paz tomava conta. A dor não tinha desaparecido, estava sob controle por meio de uma aceitação tranquila.

Assim que terminou de comer o pãozinho com manteiga em meio à ultima golada do café com leite, ele pegou o celular e se levantou para uma selfie rápida. Aquelas singelas paredes, o notório calendário desatualizado e a geladeira formaram o cenário perfeito de um homem em reconstrução. Ali estava o retrato da retomada da vida como ela é. 

Olhando para a câmera, Léo sorriu ao conferir os cabelos incrivelmente curtos e diferentes do modo praiano. O homem na praia se encontrava bem distante agora. Tinha sido ele, mas, ao mesmo tempo, não era mais. Ergueu o polegar em um gesto de autoafirmação, o indicativo de que estava em paz. 

A vida em Ribeirão Preto, com sua rotina e seu calor, servia como um lembrete constante de que a felicidade não se encontra em lugares poéticos ou em relacionamentos perfeitos, mas na resiliência e na capacidade de se levantar após a queda. Ele havia aprendido a valorizar os pequenos momentos: o cheiro do café pela manhã, a geladeira branca e ruidosa, o calendário representando os dias que passavam, a vida que seguia e as oportunidades que apareciam. O polegar para cima, como fizera na foto, era um gesto simples que se tornara frequente, carregando o peso de toda a sua jornada. Era um "estou bem", um "estou aqui", um "consegui" e, talvez, o mais importante, era um "eu me amo". O seu sorriso, embora discreto, ia além da foto: era de alma!

Sob essa nova perspectiva, Leo foi ressignificando sua existência. Não queria saber de nenhuma outra história de amor, a não ser focar no amor por si mesmo. Colocando-se em primeiro lugar, redescobriu velhos hobbies, fez amizades e até se matriculou em um curso de fotografia. 

Capturar momentos se tornou sua nova paixão, uma forma de eternizar a beleza efêmera da vida, aquela que ele quase deixara de notar. As fotos refletiam seu estado de espírito: cores vibrantes, cenas do cotidiano, detalhes que antes passavam despercebidos. 

Ribeirão Preto, com sua luz intensa e seus cantos interessantes, se tornou um cenário rico e inspirador. Não havia prazer maior que trabalhar aquelas imagens, analisar, absorver a leitura de cada uma. Aquele relacionamento ruim foi engavetado no armário dos acontecimentos passados, vez que era lá, e tão somente lá, o seu lugar mais adequado, representando um triste, porém, importante capítulo, e não a história toda, vez que agora vislumbrava uma vontade infinita de viver. 

Talvez, em algum lugar, em algum momento futuro, possa existir um novo tipo de conexão, construída sobre uma base mais sólida de autoconhecimento e aceitação. Mas, por agora, ele estava bem. Completamente bem, em sua própria pele, em sua própria cidade, com suas próprias histórias para contar e fotografar.

O INDÍCIO OCULTO DE UM CRIME

Dona Chica fez uma intreração interessante em sua postagem onde pediu para que criássemos algo utilizando as palavras aquilo - detetive - zo...